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O costume criminoso presente nas músicas de festa junina 101x6n

Um hábito que era obrigatório em toda festa junina, hoje é crime. Ainda podemos curtir as músicas com esses relatos sem culpa? 14g1g

Ao longo da história da humanidade, a arte – além de aliviar o espírito, relatou costumes, hábitos, criticou e traduziu a alma da sociedade da época em que ela foi feita.
Em 1932, um sambista cantava:

“Mas que mulher indigesta
Merece um tijolo na testa”

Uma frase como essa dentro do contexto contemporâneo, levaria o artista ao cancelamento absoluto. Noel Rosa não existiria. Mas ele cantou isso no século XX não no século XXI e é considerado um dos maiores artistas da história do Brasil.

Noel Rosa
Noel Rosa tocando crimes na época certa

Em 1995, um grupo de jovens artistas brincava com zoofilia, dizia que “gay também é gente” e que “baiano fala oxente”, e não eram taxados de homofóbicos, xenofóbicos ou doentes sexuais.

Os Mamonas assassinas cantavam isso em horário nobre no Faustão, no Gugu, faziam sucesso com as crianças, com os crentes, com os gays e com os ateus. Se tivessem aparecido depois da internet, teriam sido pauta de discussão sobre direitos humanos no Encontro com Patrícia e recebido uma moção de repúdio da câmara dos deputados. Mas eles fizeram isso no contexto histórico do final do século XX.

Mamonas assassinas
Os heróis dos anos 90 seriam os vilões dos anos 2020

Eu já vou revelar qual é esse costume criminoso presente nas músicas de festa junina, mas antes preciso expressar os motivos que me levaram a escrever sobre isso.

Faz parte das boas práticas de interpretação de uma obra artística (é um dever de casa) entender em qual realidade aquela obra foi concebida. É preciso um contexto para a apreciação completa e correta. É claro que você pode curtir qualquer obra artística sem nenhum background, é uma experiência muito legal também, mas, nesse caso, você não pode julgar. O julgamento não pode existir sem levar em consideração o contexto histórico. A sociedade se modifica rapidamente e a música é uma das manifestações que deixam esse registro para as gerações futuras. É muito importante que essas obras permaneçam exatamente da mesma forma em que foram escritas. Reescrever a história é correr o risco de interpretar errado o presente.

Há um tempo atrás existiu um movimento que, num sentimento de reparação história, quis destruir obras de arte dos séculos ados. Estátuas de figuras controversas como Princesa Isabel, Borba Gato, e nos Estados Unidos George Washinton e Thomas Jefferson, tiveram a presença questionada e foram alvos de ataques que bradavam a retiradas das obras. Estátuas que são registros históricos para nos ajudar a entender o ado e conviver com a realidade do presente. Retirar a estátua não vai apagar a influência que o homenageado da obra teve em determinado local. É preciso entender as razões pelas quais a figura foi eternizada e em qual contexto histórico isso ocorreu. Hoje eles não seriam homenageados. Como nós sabemos disso? Porque conhecemos a história deles e sabemos quem são. Nós não cometemos mais os mesmos erros que eles cometeram. E como isso foi possível? Porque sabemos quem são e o que fizeram. Sabemos também que o conceito de errado muda de tempos em tempos.

Cristovão Colombo
Cristovão Colombo sendo cancelado em Barranquilla, Colômbia. Foto: Reuters (2021)

Esses dias fui a um show do Sidney Magal. Em certo momento do show, ele parou e falou com a plateia num tom de pesar: “Sandra Rosa Madalena eu ainda posso cantar, mas tem outra música, que é talvez o meu maior sucesso da época, que se eu cantar aqui a polícia vai esperar na porta para me prender. Essa eu não posso mais cantar, vamos em frente.”

A música é “Se te agarro com outro te mato” e diz assim:

“Se te agarro com outro te mato
Te mando algumas flores e depois escapo”

É um crime. Hediondo. Isso se ele for praticado, se for cantado ou ouvido, não é. Ou pelo menos não era.

Mas cadê o costume criminoso presente nas músicas de festa junina? 1q6c3e

Dei toda essa volta, pra falar que nem as músicas de festas juninas escaparam da implacável mudança de pensamento da sociedade ao longo do tempo. Pode conferir, de 10 músicas de festa junina, 7 falam desse costume que hoje é criminoso. Por exemplo:

Luiz Gonzaga- “Olha Pro céu”

Olha pro céu meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo


Mario Zan- “O Balão Vai Subindo” (sonho de papel)

O balão vai subindo vai caindo a garoa
O céu é tão lindo e a noite é tão boa
A primeira música feita para festa junina já relatava esse costume:


Assis Valente- “Cai, Cai, Balão”

Cai, Cai, Balão
Cai, Cai, Balão
Aqui na minha mão

Balões juninos
Era legal, agora é ilegal

Desde 1998 soltar balões é crime, que pode ser enquadrado tanto no artigo 261 do Código Penal Brasileiro por colocar em risco a segurança do tráfego aéreo, quanto no 9605/98 por crime ambiental. Você pode ficar três anos preso por soltar balões.

Eu nunca soltei balões na minha vida e nunca vou soltar, não vejo a menor graça. Mas eu adoro ouvir todas essas músicas que falam de soltar balão! Não dá pra ar pelo mês de junho sem ouvir uma dessas músicas. Essas músicas fazem apologia a um crime. Devem ser canceladas?

Arte é ficção. Pode ou não expressar a realidade, mas não é a realidade, é um fingimento. Uma música, um filme, uma novela, um espetáculo de teatro como Shakespeare ou um stand-up comedy, são fingimentos. É a nossa fuga da realidade.

Atuar numa série onde o protagonista é um traficante de drogas, não pode te fazer um criminoso. Interpretar Hamlet no teatro não pode te levar a prisão por assassinato. Curtir Bezerra da Silva não te transforma em maconheiro. Assistir a um show de piadas e rir de tragédias e situações surreais não destrói sua humanidade.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toca Raul, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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