Motivos para não pedir que um músico leve o violão pro churrasco 6t1w5v
Porque sempre pedimos para o músico trazer o violão para o churrasco e não temos coragem de pedir pra que o mecânico traga a caixa de ferramentas? 111a61
Tenho certeza que todo músico já viveu essa cena:
Amigo churrasqueiro – “Ooooo meu amigo, tudo bem? (normalmente nem é tão amigo assim) Rapaz, vou fazer um churrasco hoje aqui em casa com a turma toda e tô ligando pra te convidar!.”
Músico – “Opa! Que legal, obrigado pelo convite, vou sim. Quer que leve alguma coisa?”
Amigo Churrasqueiro – “Nada, não precisa de nada, vai ter carne, bebida, tem tudo aqui, é só vir”
Músico – “Maravilha então!”
Amigo Churrasqueiro – “Ahh! Não esquece o violão em!”
Neste momento, existem dois tipos de músicos do outro lado da linha:
1 – O músico profissional que já entendeu que vai ter que trabalhar de graça se quiser ir pro churrasco.
2 – O músico de fim de semana, que está em êxtase porque vai poder se apresentar e mostrar as músicas novas que aprendeu. Normalmente, para esse músico, não é preciso pedir pra levar o violão. Nesse caso, torcem pra ele ter esquecido o violão em casa quando ele chega no churrasco. (Por favor, se você está nessa categoria, não me entenda mal. Só estou te usando para defender a outra categoria.)
Eu sei que eu sou chato e que nem todos os músicos pensam assim. Mas precisamos falar desse assunto nesse espaço. É inegável que existe uma dificuldade cultural enorme em enxergar a arte como um trabalho.
- “Você trabalha com o que?”
- “Sou músico”
- “Ah, legal! Mas sua profissão qual é?”
Todo músico já ouviu isso na vida.
A pessoa vê o músico tocando e cantando na noite e, por algum motivo sobrenatural, presume que aquele é o único momento em que o artista está trabalhando. O poder da música é tão impressionante, que cria uma ilusão na mente da pessoa que está assistindo de que o artista nasceu sabendo fazer aquilo e que não precisou de nenhum esforço ou preparação. A magia da arte, neste ponto, atrapalha o artista.
A ilusão provocada pela música bem-feita, impede que o público perceba que existe um esforço pra fazer aquilo, tanto no momento em que a música está sendo executada, quanto na preparação para poder ser capaz de executar a música daquela forma. Anos de estudo, ensaios, investimentos, pesquisas de mercado, preparação corporal, vocal, física, renúncias, mudanças de hábitos e muitos outros “backgrounds” que são fundamentais para uma boa execução musical.
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“Nossa, se eu tocasse e cantasse iria querer tocar em todo o lugar”, diz a pessoa que não toca, não canta e nem trabalha com a música. É difícil de entender, eu sei, mas músicos também gostam de só jogar conversa fora, comer carne e beber. As vezes a pessoa trabalhou o dia inteiro dentro do estúdio e não quer nem ouvir música a noite. Mas o músico não tem o direito de curtir um churrasco como todo mundo. Se ele não quer tocar violão, ele é taxado de chato, de arrogante. “Ah, esse aí o sucesso já subiu pra cabeça”.
É impensável convidar um mecânico para o churrasco e abrir o capô do carro pra ele fazer uma revisão, né? Poxa, o cara trabalhou o dia inteiro e na hora de descanso vai ter que trabalhar? Mas com o músico isso é normal. É claro que em alguns momentos será um prazer, tanto para o mecânico quanto para o músico, continuar trabalhando. Pra todo mundo que gosta do que faz isso é um prazer. Mas não é uma obrigação. Não em todos os momentos. É normal que a pessoa queira ser só mais um no churrasco, que fala besteira, que fica quieto, que não precisa ser o centro das atenções… entende? Precisamos entender que músico é ser humano kkkk. Precisamos normalizar os músicos que não querem levar o violão pro churrasco.
“Você é pedreiro? Que legal, reboca essa parede aqui pra mim?” “Você é médico? Pera aí que eu vou chamar minha vó pra você dar uma olhada” “Você é cantor? Ah! Então canta aí pra gente”. A última frase é normal, todo mundo acha normal e fala isso. Por que? Porque a música é mágica, ninguém consegue ver os truques por trás.
Existem empreendedores, comerciantes, donos de empresa de mídia, que convidam um artista pra se apresentar em troca de divulgação e agem como se tivessem ajudando o artista e não o contrário. O camarada tem um bar e precisa de gente pra cantar. Ele liga pro artista e diz: “Vou te colocar num horário legal, temos um ótimo público, você vai poder divulgar seu trabalho e até dou uma ajuda de custo”. O artista aceita, porque é assim que a banda toca. Mas isso não é estranho? Será que ele teria coragem de ligar pra alguma empresa de ar-condicionado e falar que a manutenção vai ficar pela divulgação? Não vai né. -“Ah, mas o artista precisa de público” E a manutenção do ar-condicionado não?
Cada um tem o direito de tratar a carreira e a vida da maneira que quiser, esse texto não veio para mudar o pensamento dos artistas e nem dos amigos churrasqueiros. A ideia aqui é difundir a ideia de que o músico que não quer tocar no churrasco não é arrogante, nem chato e nem deixou o sucesso subir pra cabeça. Ele só quer ser mais um no churrasco.
Comentários (1) f186e
Obrigado por esse texto