A invasão em Brasília foi terrorismo? 3s2h2g
O quebra-quebra ocorrido dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília está sendo tratado por toda a imprensa como atos de terrorismo doméstico, isto é, o terrorismo praticado pelo cidadão contra seu próprio país. Mas, tecnicamente, será que foi terrorismo mesmo? Confesso que resisti em escrever sobre este episódio dado o cuidado que se é […] 38d6s
O quebra-quebra ocorrido dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília está sendo tratado por toda a imprensa como atos de terrorismo doméstico, isto é, o terrorismo praticado pelo cidadão contra seu próprio país. Mas, tecnicamente, será que foi terrorismo mesmo?

Confesso que resisti em escrever sobre este episódio dado o cuidado que se é obrigado a ter com cada palavra escrita. Se mal colocada, uma única palavra pode despertar o inconformismo ou até a ira de um amigo ou amiga leitora, quando meu empenho é para que desperte apenas a reflexão.
Eu mesmo tive que refletir bastante sobre o caso para que meu próprio julgamento fosse descontaminado da paixão política. Esta paixão de um lado é boa, porque desperta nosso interesse pelo destino da nação, pelo futuro das gerações vindouras. De outro, como qualquer paixão, algumas vezes ela nos impede de compreender a realidade dos fatos com mais objetividade, parcimônia e sensatez.
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No exercício de reflexão que fiz, meu primeiro pensamento foi de que muitas daquelas pessoas devem ter ido à Brasília apenas para protestar, ou seja, sem a intenção de invadir e destruir os edifícios públicos. Suponho que se os prédios estivessem prévia e adequadamente protegidos pela polícia militar, sequer haveria uma tentativa de invasão.
Para mim, o que explica aquele episódio é o chamado comportamento de rebanho de que falou Friedrich Nietzsche no livro “Além do bem e do mal”. O pensamento do famoso filósofo alemão é de que os homens possuem um instinto gregário (em bando) de obediência que os leva a agir, de forma submissa e irrefletida, segundo a vontade de seus líderes, e aqui ele não falava apenas dos líderes políticos, mas também dos líderes instituições sociais, como professores, pastores e padres. Obviamente, isso não retira a responsabilidade das pessoas pelos crimes que cometeram, mas explica aquele tipo de comportamento aparentemente selvagem, como se fossem mesmo um bando de animais.
Também me veio à mente que os atos de vandalização de Brasília se assemelharam à invasão ao Capitólio, o edifício sede do Congresso dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. Mas depois de analisar ambas os casos, encontrei uma diferença muito importante: quando o Capitólio foi invadido, os parlamentares estavam trabalhando justamente na sessão que iria confirmar a vitória de John Biden sobre Donald Trump.
A intenção dos delinquentes era de impedir a confirmação da eleição de Biden, como de fato ocorreu naquele dia. A sessão precisou ser suspensa para que os parlamentares e funcionários fugissem, e retomada no dia seguinte. Diferentemente, quando o correu a invasão em Brasília, a confirmação da eleição já havia sido feita pelo Tribunal Superior Eleitoral e a solenidade de posse no Palácio do Planalto, como todos sabem, ocorreu tranquilamente no dia 1º de janeiro de 2023.
A meu ver – e aqui faço uma análise puramente técnica – os atos que ocorreram em Brasília deverão ser enquadrados como o crime de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” previsto no artigo 359-L do Código Penal. Isso porque a vandalização dos edifícios teve a intenção de impedir ou restringir o funcionamento dos Poderes da República.
Todavia, confesso que eu mesmo não estou convencido disso, porque a destruição dos edifícios, a meu ver, não significa uma tentativa de abolir, isto é, de extinguir, o Estado Democrático de Direito. Os edifícios sede não se confundem com a instituição. Assim, por exemplo, em 2018 o edifício sede do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foi consumido pelo fogo, mas isso não extinguiu ou aboliu a instituição científica. A instituição permanece e estão reconstruindo o prédio.
Além do mais, existem outros crimes pelos quais devem responder os invasores, como crime de dano ao patrimônio público, dano ao patrimônio histórico e cultural, danos às edificações protegidas por lei, associação criminosa, furto etc.
Chegamos, então, à questão do terrorismo. De fato, boa parte da imprensa está chamando as pessoas que vandalizaram os edifícios de “terroristas”, mas tecnicamente essa acusação não se sustenta. Isso porque o terrorismo é um crime específico no Brasil, previsto na Lei 13.260/2016, e ele ocorre somente por razões de xenofobia (rejeição a pessoas de outro país), discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. A lei ainda diz que não é terrorismo os atos de manifestação política com caráter contestatório, sem prejuízo de serem considerados outros crimes.
Também nos Estados Unidos, no caso da invasão do Capitólio, o último boletim divulgado pelo Departamento de Justiça, em 4 de janeiro de 2023, informa que centenas de pessoas foram acusadas de crimes como agressão, resistência, porte ilegal de armas, destruição de propriedade do governo, roubo de propriedade do governo, etc. Mas nenhuma foi acusada de terrorismo, justamente por falta de previsão legal.
Seja como for, não importa como os livros de história irão narrar os atos de 8 de janeiro de 2023, se como vandalismo ou terrorismo, o fato é que eles são juridicamente criminosos e moralmente ultrajantes.
Mais uma página manchada na história do Brasil.